(Cap 14) Primeiro sorrimos!
Os dias eram estranhos agora, eu ainda tinha medo, tinha que admitir! Mas minhas noites são tranquilas, o sono reparador. Meus cabelos vermelhos brilham mais e minha pele tem mais viço. Eu não sei o que acontecerá agora, não sei quando será a noite núpcial, mas já não tenho tanto medo.Sei que isso acontecerá de um jeito ou de outro, mas tenho certeza agora que Niga pelo menos será gentil, não vai me devorar ou me matar.
Toda manhã passeamos juntos pelos corredores, ele me busca após o desjejum, andamos pelos corredores, voltamos e nos despedimos. Nem sempre conversamos, somos o tipo de pessoas que ficam bem com o silêncio.
No terceiro dia de caminhada resolvi perguntar o que estava me consumindo.
-E então, quando será finalizado o casamento? Concluído, quero dizer.-Ele me olhou imediatamente observando atentamente meu rosto.
-Dentro de alguns dias, na verdade acho que na próxima semana.-Ele pegou minhas mãos e as levou próximas ao seu lindo nariz e inalou profundamente.
-Po-por que está cheireando minhas mãos? -Perguntei constrangida.
-Tem um cheiro suave que é só seu, impossível de destinguir.- Ele disse soltando minhas mãos de repente.
-Mas é imperceptível aos humanos, que inutilidade ter te contado!- Ficou constrangido e virou o rosto.
-Tudo bem, acho bom saber mais sobre você, seu povo. Somos tão iguais e mesmo tempo tão diferentes...
Ficamos ambos constrangidos.
-Pelo menos me diga com que se parece esse cheiro. -Ele virou o rosto.
-Não sei ao certo.
-Tente, por favor! -Ele continuava de costas olhando, da porta do nosso quarto, o longo corredor.
-Não conheço muitos cheiros daqui, é tudo muito novo pra mim. A atmosfera diferente fez com que muitos cheiros sejam agradáveis, outros comuns à vocês, sejam insuportáveis pra mim.-Um meio sorriso passou por seu rosto.
-Entendo-Disse a primeira coisa que me veio a cabeça.
-É um cheiro bom, não se preocupe. -Ele se virou e me encarou com aqueles olhos sombrios. As chamas estavam lá é claro! Mas menores, como se ele tentasse se conter.
Eu automaticamente saltei pra trás, o instinto de sobrevivência gritando dentro de mim.
Ele se aproximou lentamente, pegou meu rosto entre suas mãos e sussurrou de encontro a minha fronte. Primeiro palavras indecifráveis de sua língua natal e depois palavras em português, mas tão baixo que eu não conseguia ouvir, como se dissesse pra ele mesmo.
Sem soltar meu rosto ele me olhava fixamente e então falou baixinho.
-Nunca tenha medo de mim, minha fúria, muitas vezes, é dirigida a mim mesmo, entende?
Eu balancei a cabeça afimativamente. As chamas azuis dançavam dentro de suas iris.
-Claro, também é tudo muito novo pra você. -Ele constatou me soltando finalmente. As chamas desapareceram do mesmo jeito que surgiram, rapidamente.
Depois desse dia os passeios ficaram mais curtos. Niga me olhava de um jeito diferente do estranho habitual. Do nada as chamas apareciam, ele me encarava por alguns segundos, piscava e elas sumiam. No quinto dia eu soube que o último ritual aconteceria no dia seguinte. Algo a ver com o luar. Nada mais que isso. Nem uma palavra, por mais que eu tenha interrogado cada um daqueles que me atendem diariamente.
Deitei ansiosa demais e não consegui dormir, quando o sol aparecia no horizonte que eu consegui descansar um pouco. Aquele estado físico que fica entre o sono e a vigília.
A cabeça doía miseravelmente.
As portas foram abertas com um barulho que me fez saltar de susto. Um batalhão de mulheres entrou e já foram me arrastando banheiro adentro.
Uma massageava meu couro cabeludo enquanto outra me sentava em uma banqueta de frente ao enorme espelho trazido por elas.
Fui lavada, escovada, minhas pernas e axilas depiladas. Fui bezuntada com óleos e obrigada a deitar com uma substância verde e cheirosa emplastrando meu rosto.
Fosse qual fosse a máscara facial, me relaxou tanto, o cheiro suave acalmou a dor de cabeça que então adormeci.
Quando acordei minhas costas estavam doloridas por eu não ter mudado de posição, a noite havia chegado. Eu tinha dormido umas oito horas. Estava descansada apesar de tudo, me sentia leve.
Até me lembrar da noite que viria.
Senti uma onda de pânico surgir no meu estômago e revirá-lo.
Foi trazida uma bandeija com frutas, tomate, leite e um pão pequeno recheado com carne. O pão foi logo devorado com tomatinhos. Eu queria desesperadamente um chocolate. Minha boca salivava de lembrar da iguaria.
Eu sabia que o desejo por açúcar era só minha ansiedade falando.
Logo em seguida fui lavada novamente e um vestido vermelho foi enfiado pela minha cabeça. Quando me olhei no espelho minhas bochechas ardiam. Era um vestido feito para seduzir. Ele tinha um decote profundo, a cintura tinha escamas sobrepostas de um material resistente que apertava e afinava minha cintura. A saia moldava meus quadris e descia até os pés.
Até as joias tinham essa intenção. Um rubi em forma de gota descansava no meu decote pendurado por uma corrente finíssima e furta cor de um mineral que não era desse mundo. Os brincos eram peças idênticas que balançavam nas minhas orelhas.
Meus cabelos foram trançados com fios brancos entremeados. Nos pés as sandálias eram brancas e de muito bom gosto. Quando fui levada até o carro eu procurei atentamente por meu noivo e não o vi em lugar algum.
Depois de rodar duas horas pelo deserto os carros do comboio parou finalmente. Dunas de areia eram vistas em todas as direções, o vento da noite castigava meu rosto e braços desnudos.
Fui levada por dois deles até uma pequena luz que tremeluzia com o vento.
Meus pés estavm cheios de areia quando chegamos ao que parecia, à uma tenda montada no meio do nada.
A tenda tinha um tamanho razoável. Observei atentamente os detalhes dela. Era espaçosa e um cheiro delicioso começou a vir dentro com o vento.
Meu noivo surgiu na porta de pano e eu fiquei estática quando me dei conta que hoje seria a noite de núpcias!
É claro!
A única coisa que faltava, depois de uma infinidade de eventos, jantares e cerimônias, era a "noite" em si.
Meu noivo me olhava do mesmo jeito que ele tinha me olhado nos últimos dias, do jeito que só agora eu entendia.
Ele me olhava com um desejo mal contido no olhar, as chamas brincavam em seus olhos, sumindo e aparecendo, como se ele tentasse contẽ-las, do mesmo jeito que ele tentava esconder seu desejo por mim.
Ele vestia branco, uma espécie de terno lindo e elegante. Seus cabelos também trançados nos mesmos padrões que os meus, mas com fios vermelhos.
Ficamos nos olhando até que constrangidos baixamos o olhar.
Ele dispensou meus guardiões com um aceno de cabeça e me conduziu pra dentro da tenda.
Lá dentro o calor do aqueçedor foi bem vindo, suspirei alto esfregando os braços.
Ele me olhou preocupado.
-Elas deveriam ter te colocado mais...-Apontou para o vestido que eu usava. -Mais... você me entende! No deserto pode fazer muito frio a noite.
Ele se dirigiu a mesa posta com comidas que exalavam um cheiro delicioso.
A tenda continha uma cama imensa com muitos travesseiros e cobertores, tudo branco, a mesa com duas cadeiras e um tapete felpudo no centro, de frente pro aqueçedor.
Eu ainda tremia, não de frio, mas de medo da estréia!
Eu tremia tanto que ele me olhou, largou o prato que servia e veio rápido e começou a esfregar meus braços pra me aquecer.
-E-eu n-não estou c-com fri-frio! Eu disse gaguejando.
Ele parou e me olhou calmamente.
-Eu sei.- Se afastou e continuou a servir seu prato, sentou na mesa e começou a comer.
Eu fiquei parada no centro da tenda olhando-o.
-Sente-se antes que caia, perto do calor. -Ele apontou para o aqueçedor.
Eu estava tão tensa que tinha certeza que se eu sentasse eu quebraria ao meio. Eu me sentia como uma corda de violino repuxada.
Fiquei sentada no tapete por alguns minutos enquanto ele terminava de comer -Eu não te ofereci porque fui informado que você já comeu. -Ele me olhava apoiado na borda da mesa.
Eu não conseguia relaxar com a conversa fiada.
-Podemos...deveríamos...
Ele sentou ao meu lado e virou o rosto para mim, tão perto que eu podia sentir seu hálito de morango recém mastigado, no meu rosto.
-Não importa o que nos mandaram fazer, teremos nosso próprio momento, quando e onde quisermos, nos acostumaremos com a presença um do outro na mesma cama e só então... -Ele me disse com uma calma e certeza que fui relaxando aos poucos.
-Mas primeiro sorrimos! -Ele disse alto e se levantou, abriu uma bandeija pequena e tirou algo pequeno de dentro que sumiu escondido dentro de sua enorme mão.
Ele sorria quando abriu a mão na minha direção.
Eu não podia acreditar! Uma mini barra de chocolate surgiu ali. Eu a peguei e desembrulhei dando uma mordida em seguida.
Ele me olhava divertido.
-Obrigada. -Eu agradeci o presente.
Ele me olhava e então riu alto, uma gargalhada tão gostosa que ri junto até escorrer lágrimas e a barriga doer.
Olhei para meu marido tão relaxada qua agradeci mentalmente toda a distração.
-Primeiro sorrimos! -Repeti suas palavras.
E então ele sorriu novamente.
Continua...
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