(Cap 11) Revelações no Jantar
Acordei suada e pegajosa, o lençol embolado no meu corpo, e com aquela sensação de ter dormido demais.Me remexi na cama e então me lembrei onde estava: No quarto de Niga, ou melhor, no nosso quarto!Olhei ao redor e no espaço vazio ao meu lado e bocejei com alívio. Eu estava sozinha na enorme cama. Peguei o roupão no móvel ao lado da cama e vesti-o. Caminhei até a janela branca e olhei pro céu, seria mais um dia quente e suarento como todos os outros.
Tomei banho sozinha e me vesti com a primeira roupa que encontrei, um vestido longo e preto de tecido suave, um dos presentes de casamento também, sem dúvida! Me olhei no espelho enorme do banheiro e pude contemplar como o vestido caiu bem, realçando minha pele branca e suave.
Não calcei nenhuma sandália nos pés e andei alguns minutos descalça no chão de pedra fria.
Meus cabelos vermelhos estavam soltos pra secarem naturalmente. Odiava as ocasiões em que tinha que prendê-los, me causavam uma dor de cabeça terrível!
Fiquei explorando o enorme aposento, abrindo gavetas, caixas, nem percebi as horas passarem. Dei por mim somente quando uma mulher "alien" me chamou num tom alto e ríspido, como quando chamamos alguém várias vezes sem conseguir atrair a atenção da pessoa. Eu a olhei e vi as chamas azuis passarem rapidamente por seus olhos, ela piscou e as chamas sumiram, ela reassumiu o controle e repetiu;
-O comandante Nigan deseja falar-lhe durante o jantar dessa noite.
Eu a olhei como uma idiota.
-Mas nem tomei...
-Café da manhã!- Ela completou.-Estranho nome para a refeição primeira.
Me jogou uma maçã que peguei no ar.
Dei uma dentada desconfiada. Mastiguei e engoli.
-Mas nem sei...nem sei o que vestir, onde ir...
Ela riu, ou talvez zombou de mim no seu íntimo, com um meio sorriso.
-É por isso que estou aqui.
Ela me puxou para o banheiro onde fui lavada, escovada, penteada e vestida. Ela ficava me contando várias coisas sobre eles, como, por exemplo, eu deveria deixar os mais velhos comerem primeiro, como as bebidas eram servidas, e como deveriam ser degustadas.
Ela me ensinava a "etiqueta" social deles. E continuou em um sermão longo e cansativo que eu não consegui absorver quase nada.
O sotaque dela também não deixava que eu aprendesse muito, toda hora eu tinha que ficar pedindo que ela repetisse e então as chamas assustadoras apareciam e então, na terceira vez desisti e liguei o piloto automático.
Bastava que eu balançasse a cabeça e pronto.
Quando ela terminou ela me virou de frente pro espelho e pude ver maravilhada a minha transformação.
A beldade do espelho tinha os cabelos vermelhos trançados em cascata com minúsculas flores e pedrinhas furta cores e brilhantes entremeadas nos fios. O vestido roxo delineava cada curva, com uma leve calda.
No pescoço brilhava um colar das mesmas pedrinhas cintilantes dos cabelos, e uma ametista enorme pendurada no colo, realçava a pele branca.
-Nossa! Falei sozinha no espelho.
-Ele tem... como dizem vocês? Minha transformadora pensou um pouco.
-O que?- Perguntei cautelosa.
-Sorte. -Me pegou pela mão antes que eu respondesse e me arrastou por corredores e salas, quartos e escadas e me perdi totalmente, jamais conseguiria retornar sozinha.
Quando chegamos a um imenso salão branco ela parou, me olhou nos olhos e apontou a frente.
Eu olhei e não vi nada, apenas colunas de pedra branca num imenso terraço. A vista impressionava, ali era possível ver a cidade toda, pequena no horizonte.
Ela fechou as portas de vidro enormes que eu sequer tinha notado, bem atras de mim, e em seguida as cortinas brancas.
Eu andei alguns passos a frente e então o vi.
Ele bebia uma bebida e olhava relaxado na postura, de costas para mim. Observava a paisagem.
Os cabelos estavam molhados e trançados no estilo "viking", com três tranças finas nas laterais, que se juntavam com o resto dos cabelos no alto da cabeça e descia num rabo de cavalo.
As roupas eram impecáveis e brancas, contrastando elegantemente com meu vestido roxo.
Não sabia se devia me anunciar ou esperar que me notasse, eu não conseguia me lembrar da regra de etiqueta nesses casos.
-Boa noite, Susan! -Ele me cumprimentou ainda de costas.
-Boa noite! Disse educadamente mas com uma fria polidez.
Ele se virou e me olhou nos olhos e mostrou a cadeira no lado oposto da pequena mesa oval.
Os talheres, as taças e os pratos eram pretos e brilhantes, de um metal que não existe na terra.
Me sentei reta e o olhei as comidas dispostas na mesa. Coisas estranhas e ainda vivas se mexiam nas travessas, uma travessa cheirava deliciosamente a carne assada. Seria essa que talvez eu experimentaria.
Ele se serviu de mais bebida, e um cheiro delicioso de canela invadiu meu nariz. Eu fiquei parada e observava o pomo de adão subir e descer com cada gole, um atras do outro.
-Você deve se alimentar!- Ele disse me olhando nos olhos de um jeito frio que gelou meu corpo.
-Não estou com fome! -Menti o melhor que pude, mas meu coração acelerou com a mentira e a voz saiu como de uma criança birrenta.
Os lábios lindos e perfeitos se curvaram nos cantos, mas seus olhos não sorriam.
Ele estava zangado, muito zangado!
-Ha, por favor! Posso ouvir seu estômago parcialmente vazio se retorcer. -Ele disse a última palavra entre dentes.
Ele ficou de pé e deu a volta na mesa, destampou a travessa que cheirava deliciosamente e cortou um pedaço grande e suculento, colocou no meu prato e cambaleou.
Eu fiquei parada e pensei em estender a mão, mas antes que caísse ele se sentou novamente.
Eu fiquei observando sem ação sem entender muito.
-É apenas galinha, coma logo! Ele me disse irritado.
Eu peguei o talher estranho, que parecia um garfo com um dente só e comecei a comer devagar e então mais depressa, era mesmo galinha e estava deliciosa!
Eu podia senti-lo me observando enquanto eu comia de cabeça baixa.
Ele não disse nada enquanto não empurrei o prato sinalizando que tinha terminado de comer.
A taça foi cheia com a mesma bebida que ele bebia sem parar. O prato dele ainda vazio me preocupava de um jeito que eu não compreendia muito bem.
-Você não vai comer? -A pergunta escapou antes que eu tivesse pensado.
-Não. -Disse simplesmente.
Eu bebi um gole da bebida e senti minha cabeça girar e a língua pinicar. Uma sensação estranha de leveza tomou conta de mim, fez com que eu lembrasse das drogas do hospital.
-Vá devagar, pode ser estranha pra você. -Ele ficou de pé e andou até o enorme terraço e acenou para que eu fosse até ele.
Eu larguei a bebida na mesa e dei alguns passos vacilantes em direção a beirada.
Ele olhava o horizonte e não via, estava preocupado demais, e eu tinha certeza que nossa situação o aterrorizava também.
-Você vai começar a aprender sobre nós. -Ele me disse sem me olhar, ficou calado tanto tempo que me perguntei se ele tinha me esquecido ali.
-Eu...está bem. -Concordei.
Ele se virou finalmente e pegou minhas mãos entre as suas. suas mãos estavam geladas e tremiam e isso me apavorava também.
-Temos que fazer funcionar... você entende? -Ele sussurrou as palavras tão próximo que senti seu hálito de canela em meu rosto.
-Si-sim! -Respondi fraca.
Ele soltou minhas mãos e segurou meu rosto fortemente, quase me machucando. me avaliava de cada lado do rosto. Eu senti lágrimas brotarem em meus olhos e fiquei com raiva por ser tão transparente nas emoções.
Ele relaxou um pouco o toque mas não me soltou. Quando uma lágrima escorreu ele limpou com um dedo e só então pareceu ter retornado ao seu estado normal, se é que ele tinha um!
-Não vou machucar você! -Ele me disse virando as costas.
-Fomos escolhidos por um bem maior que nós dois: a união de duas raças!
-Eu sei...gaguejei.
-Não sabe! Você não sabe de nada!Aquele saco de ossos é sagrado e raro, um presente inestimável e estava jogado no chão do meu quarto! Ele explodiu e as chamas dançavam nos seus lindos olhos.
Então o jantar era pra isso! Pra dar bronca! Esqueci do medo quando senti a fúria crescer dentro de mim!
-Pro inferno você e toda essa situação! Odeio você, odeio sua gente e odeio esse lugar!
Não consegui suportar mais a tensão e desabei no chão e chorei.
Chorei por tudo novamente, as feridas reabertas, sangraram e minha alma doeu.
Ele se aproximou de mim em dois passos e me ergueu do chão e seus olhos ainda brilhavam assustadoramente.
Tudo que pude sentir foi raiva ao ver aquele rosto me encarando. Ergui a mão lá atras e dei o tapa mais forte que consegui.
Seu rosto virou com a força do tapa e ele cambaleou, me livrando do seu aperto.
-Muitos morreram por menos! Ele me disse e então caiu sentado, parecia realmente bêbado agora.
-Seria mais fácil! Ele disse me encarando e as chamas sumiram.
Ele ficou de pé e me olhou distante, como se temesse outro tapa ou talvez, sua própria reação. parecia acuado e com medo.
-O que seria mais fácil? Talvez devesse mesmo me matar! -Eu gritei a plenos pulmões.
Ele me olhou nos olhos e caminhou até mim lentamente, parecia um felino grande, um lince talvez, indo até a presa.
-Seria mais fácil... se eu não sonhasse com você! E tirou um chocolate embrulhado do bolso e colocou na minha mão.
Eu fiquei ali parada vendo-o se afastar, abrir a porta e sair e só então me lembrei de fechar a boca.
Continua...